Especiais
20/08/2014
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Plágio, falsificação e
fabricação de resultados científicos deixaram de ser problemas exclusivos de
potências em produção científica, como os Estados Unidos, Japão, China ou o
Reino Unido.
A avaliação foi feita por Nicholas Steneck,
diretor do programa de Ética e Integridade na Pesquisa da University of
Michigan, nos Estados Unidos, em palestra no 3º BRISPE
– Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics,
realizado nos dias 14 e 15 de agosto, na sede da FAPESP.
Segundo Steneck, por ter atingido escala global,
é preciso que universidades, instituições de pesquisa e agências de fomento em
todo o mundo realizem ações coordenadas para lidar com essas questões, a fim de
não colocar em risco a integridade da ciência como um todo.
“Inicialmente, a má conduta científica era um
problema limitado a poucos países, como os Estados Unidos. Mas agora, nações
emergentes em ciência, como o Brasil, ‘juntaram-se ao clube’ em razão do
aumento da visibilidade de suas pesquisas, e têm sido impactadas de forma
negativa por esse problema”, disse Steneck, um dos maiores especialistas
mundiais em integridade na pesquisa.
Nos últimos anos, segundo Steneck, passou a ser
observado um aumento global do número de casos relatados de má conduta
científica. Um estudo
publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the
United States of America (PNAS) sobre as causas de retratação de
2.047 artigos científicos, indexados no repositório PubMed e produzidos por
pesquisadores de 56 países, revelou que apenas 21,3% das retratações foram
atribuídas a erro.
Por outro lado, 67,4% das retratações foram
atribuídas à má conduta científica, segundo o estudo. Dessas, 43,4% ocorreram
por fraude ou suspeita de fraude, 14,2% por publicação duplicada e 9,8% por
plágio. Estados Unidos, Japão, China e Alemanha responderam por três quartos
das retratações.
Os autores do estudo estimam que a porcentagem de
artigos que tiveram de sofrer retratação por causa de fraude aumentou cerca de
10% desde 1975, quando os primeiros casos de má conduta científica começaram a
vir a público.
Outro estudo, publicado na
PLoS Medicine, utilizou dados da base Medline, a respeito de artigos
publicados até junho de 2012 que abordaram o tema da má conduta científica,
para tentar verificar o problema em países de economias em desenvolvimento.
Segundo os autores, apesar dos poucos dados
disponíveis, o resultado da análise indica que o problema é tão comum nos
países emergentes como nos mais ricos e com maior tradição científica.
“Vemos que há mais casos de má conduta científica
hoje do que há 10 anos, mas não sabemos se o número de casos está aumentando ou
se estão sendo mais descobertos e revelados”, disse Steneck à Agência FAPESP.
“O fato é que as pessoas estão prestando mais atenção ao problema da má conduta
científica e cada vez mais novos casos têm sido relatados.”
Já um outro estudo,
divulgado em abril no Journal of the Medical Library Associaton,
identificou 20 países com os maiores números e percentuais de artigos da área
de Ciências Biomédicas retratados por problemas de plágio e duplicação de
dados, publicados entre 2008 e 2012 e indexados no PubMed.
O estudo apontou que a Itália, a Turquia, o Irã e
a Tunísia possuem o maior percentual de artigos retratados por problema de
plágio, enquanto a Finlândia, China e novamente a Tunísia apresentam a maior
taxa de artigos retratados em razão da duplicação de publicação. O Brasil ocupa
a 17ª colocação no ranking geral, logo atrás da Espanha e à frente da
Finlândia, Tunísia e Suíça.
‘Ponta do iceberg’
De acordo com Steneck, a atenção e a resposta ao
problema da má conduta científica têm sido direcionadas aos casos de maior
repercussão internacional, como o do anestesiologista Yoshitaka Fujii, da Toho
University, no Japão, que teve 183 artigos retratados desde 2011 por
falsificação de dados.
Esses casos especiais, contudo, podem representar
apenas a ‘ponta do iceberg’ do problema. Um levantamento realizado pelo Deja vu
– sistema computacional que identifica títulos e resumos de artigos indexados
em repositórios científicos e permite a verificação de suspeitas – identificou
79,3 mil artigos indexados no Medline com esse tipo de problema.
Do total de artigos, apenas 2,1 mil foram
examinados e, desses, 1,9 mil foram retratados. Mais de 74 mil ainda não foram
verificados pelas publicações.
“Há muitos casos de má conduta científica
subestimados pelas universidades e instituições de pesquisa, que poderão ser
descobertos no futuro”, afirmou Steneck.
Na avaliação do especialista, alguns fatores que
contribuem para a subestimação do problema são as suposições errôneas de que a
má conduta científica é uma prática rara, que é mais comum em áreas altamente
competitivas como a de Ciências Biomédicas e de que a ciência é uma atividade
autorregulada.
“Há enorme confiança na ciência como uma
atividade com controles internos rigorosos que dificulta estabelecer um
consenso de que ela deva ser mais vigiada”, afirmou. “É preciso que as
universidades, instituições e agências de fomento à pesquisa dos países que
fazem ciência se engajem em educar e promover a integridade científica entre
seus pesquisadores.”
Papel das instituições
Na avaliação de Steneck, a comunidade científica
brasileira tem reconhecido o problema e formulado políticas e ações para coibir
práticas de má conduta científica e aprimorar a integridade na pesquisa.
É necessário, no entanto, que as universidades e
instituições de pesquisa proporcionem o melhor treinamento possível em
integridade científica a alunos, professores e pesquisadores, indicou o
especialista.
“É preciso que as universidades e instituições de
pesquisa, que têm muitos departamentos e laboratórios, observem se seus
pesquisadores estão sendo treinados de forma eficaz em integridade científica”,
afirmou.
Uma das formas indicadas de realizar esse tipo de
treinamento, segundo Steneck, é por meio da criação de um órgão interno
destinado exclusivamente a essa finalidade, como proposto pela FAPESP em seu Código
de Boas Práticas Científicas.
Publicado em 2011, o código da Fundação
estabelece que as universidades e instituições de pesquisa no Estado de São
Paulo tenham um órgão interno especificamente destinado a promover a
integridade na pesquisa, por meio de programas de treinamento e atividades
educativas, além de responder a eventuais denúncias de má conduta científica de
forma justa e rigorosa.
“As universidades e instituições de pesquisa no
Estado de São Paulo apoiadas pela FAPESP devem definir políticas e
procedimentos claros para lidar com a questão da integridade científica e ter
um ou mais departamento ou órgão interno voltado a promover as boas práticas
científicas por meio de programas regulares e para investigar e punir os
eventuais casos de má conduta”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor
científico da FAPESP, na abertura do evento.
“Mas a investigação e a punição de eventuais
casos de má conduta não representam o papel mais importante que deverá ser
desempenhado pelos órgãos de promoção de boas práticas científicas nas universidades.
O principal papel desses órgãos deverá ser promover uma cultura de integridade
científica nas instituições de forma permanente”, sublinhou.
De acordo com Luiz Henrique Lopes dos Santos,
membro da Coordenação Adjunta de Ciências Humanas e Sociais, Arquitetura,
Economia e Administração da FAPESP, ainda não há universidade ou instituição de
pesquisa no Estado de São Paulo que tenha criado um órgão interno voltado à
promoção da integridade científica, como determina o Código de Boas Práticas
Científicas da FAPESP.
“Lançamos o código há três anos e avaliamos que a
resposta das universidades e instituições de pesquisa em relação às
responsabilidades atribuídas a elas tem sido um pouco lenta”, disse.
“As universidades e instituições de pesquisa no
Estado de São Paulo e no Brasil, de modo geral, ainda não se organizaram para
definir e implementar de maneira sistemática políticas de promoção de boas
práticas na pesquisa”, afirmou Lopes dos Santos.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
foi a primeira instituição no Brasil a criar, há um ano, uma comissão voltada
especificamente a promover e tratar de questões relacionadas à integridade da
pesquisa.
Denominada Câmara Técnica de Ética em Pesquisa
(CTEP), o órgão conta com uma comissão formada por cerca de 30 integrantes,
entre professores, funcionários técnicos e estudantes da universidade.
“O objetivo da câmara é abordar questões éticas e
relacionadas à integridade acadêmica de uma forma ampla, envolvendo diferentes
unidades e departamentos da universidade, que apresentam demandas específicas”,
disse Sonia Vasconcelos, vice-coordenadora da CTEP.
“Estamos tentando identificar alguns consensos e
abordar os conflitos relacionados à integridade em pesquisa de forma a refletir
positivamente na formação dos alunos, no trabalho dos professores e nas
pesquisas desenvolvidas na universidade”, afirmou.
Disponível em:
<http://www.agencia.fapesp.br/19643>.
23 ago. 2014.
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