Kilwangy
kya KAPITANGO-A-SAMBA[1]
Irene de
Souza COSTA[2]
Os atos de avaliar e gestar são inerentes ontologicamente
aos seres humanos. Em todas as nossas atividades e ações avaliamos e gestamos constantemente,
para produzir resultados desejados. Todas as nossas ações são planejadas para
adquirir sucesso, isto é, para alcançar os resultados. O ato de ensinar não é
diferente, também é planejado para alcançar com sucesso o resultado: a
aprendizagem dos estudantes. A avaliação tem a função de garantir esse sucesso,
a saber: alcançar o resultado exitoso, que é a aprendizagem efetiva. Ela é
sinalizadora da satisfação dos resultados, em sua qualidade desejada e
plausível. Avaliação não deveria ser pontual porque ela é dinâmica e não
classificatória, mas processual (feita antes, durante e depois), porque permite
verificar o conhecimento anterior, o atual, e prever o conhecimento futuro do
estudante avaliado. A avaliação não é exclusiva, mas inclusiva, porque com ela
não se conclui que o estudante não sabe, mas que ainda está a construir o saber
e deve ser auxiliado a conhecer, a ser autor e a compreender e construir o
conhecimento, em forma de registro próprio. Ela é inclusiva porque indica necessidades
de aprendizagens que permitem desencadear intervenções pedagógicas para mediar
o estudante a aprender de forma adequada.
A avaliação tem de ser útil, ética, confiável, credível e
deve contribuir para auxiliar-nos a resolver problemas e a criar bem-estar para
os indivíduos, as organizações e a sociedade. Daí é importante ressaltar que a
forma como se planeja, se desenvolve o processo de recolha de informação, se
organiza e se divulgam seus resultados (FERNANDES, 2013, p. 12) determina o
alcance do pretendido com avaliação. Emerge assim o desafio que vai além da simples
capacidade de produzir, armazenar ou transmitir informações, mas reconhecer o
que é importante saber (ensinar e aprender), por que e como utilizar as
informações para tomar decisões estrategicamente relevantes para promover
melhoria dos processos de ensino, aprendizagem e gestão educacional.
Assim, avaliar não é resolver problemas, mas adquirir
indicadores de qualidade do resultado esperado na execução da ação educativa. A
resolução de problemas cabe aos atores (docentes, discentes, gestores,
organizações educacionais) auxiliados pela avaliação. Esta, por sua vez, precisa
ser praticada com rigor lógico e metodológico (metodologia de investigação científica
e de ensino), na coleta e tratamento de dados e no uso de resultados da
avaliação, respectivamente. A avaliação permite demonstrar que não somente os
estudantes precisam ser auxiliados a aprender de forma coerente, mas também as
organizações educacionais, por isso, ela permite fazer com que a Escola também
se avalie, para alcançar seus resultados e tomar decisões baseadas em
evidencias na solução de problemas educacionais. Avaliação permite fazer
mudanças de culturas individuais e organizacionais, de forma crítica e
metodologicamente coerente. Nesse sentido, classificar ou desclassificar e aprovar ou reprovar não são
sinônimos de avaliação, eles não produzem ações estratégicas que levam ao
planejamento, à tomada de decisão e a mudanças culturais, pois, avaliação é “um
movimento de reflexão sobre a prática que nos coloca sempre duas questões: o
que deveríamos fazer e o que podemos fazer. A responsabilidade avaliadora ou do
avaliador é a de tornar melhor o que é feito. Transformar, para melhorar, a
ação realizada”. (KRUG, 2002, p. 64).
É com essa preocupação que a Secretaria de Estado de
Educação, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Seduc) lançou a Avaliação Diagnóstica
do Ensino Público Estadual de Mato Grosso (ADEPE-MT), que produzirá indicadores
de aprendizagem de entrada, anterior ao ano escolar em que os estudantes se
encontram, a ser completada com avaliação processual (durante) e de saída
(depois). As três avaliações estão previstas para integrar a avaliação
educacional da aprendizagem dos estudantes (AVALIAMT), que será constituída em Sistema
de Avaliação Educacional do Estado de Mato Grosso (SAEMT). Trata-se de uma ação
estratégica do Estado de Mato Grosso, a ser implementada como política pública estadual
pela SEDUC-MT. A ADEPE-MT está sendo desenvolvida pelo Núcleo de Avaliação,
Investigação e Análise de Dados Educacionais-NAIADE, da SEDUC-MT, em parceria
com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), da
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
A ADEPE-MT se caracteriza como uma avaliação externa, por parte
de seu processo acontecer fora da escola. A matriz utilizada para sua elaboração
teve como referência as Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso, a
análise dos diários de classe das turmas avaliadas, as matrizes curriculares
das escolas estaduais, dentre outros instrumentos. É uma avaliação de larga
escala por envolver aproximadamente 163.214 estudantes. É também, amostral por
ser um modelo aplicado à uma parcela estatisticamente representativa do
contingente de estudantes matriculadas em todas as escolas estaduais urbanas a
serem avaliadas. E, ainda, modelada para ser de cunho censitário e oferecer
dados amplos sobre o desempenho dos estudantes, possibilitar identificação dos
dados das turmas e de cada estudante avaliado.
O teste da ADEPE-MT é um instrumento de coleta de dados
concebida para produzir informações sobre o aprendizado dos estudantes da rede
estadual da Educação Básica, que na sua primeira fase alcançará os estudantes
do 2º; 4º; 6º e 8º ano do Ensino Fundamental e 1º e 2º ano do Ensino Médio, em
Língua Portuguesa e Matemática, das 469 Escolas Urbanas de Ensino Regular, 12
Escolas de Educação do Campo e 2 Escolas de Educação Quilombola.
Metodologicamente, a elaboração dos itens da ADEPE-MT está
baseada na Teoria de Resposta ao Item (TRI), cuja essência
se encontra na relação que
se estabelece entre as características dos itens e as características
operacionais da prova composta desses itens. [...]. O item se torna a nova
unidade de análise de preferência, [que] [...] incentivou inúmeras inovações na
prática da aplicação das provas (FLETCHER, 2015, p. 184).
Assim,
o grau de dificuldade de cada item em um conjunto na mesma escala é o que permite
avaliar a proficiência de cada estudante.
Estrategicamente,
com a ADEPE-MT três são as expectativas centrais, uma não mais importante que a outra: a primeira é a de que
ela possa oferecer informações aos gestores públicos que permitam
diagnosticar as necessidades de aprendizagem dos estudantes e planejar,
executar e orientar ações e políticas públicas focadas na melhoria da educação,
como direito de todo cidadão aprender com qualidade; fomentar ações de formação
e desenvolvimento profissional dos profissionais da Educação Básica, contando
sempre com a participação dos educadores como protagonistas de transformação
social e inovação no ensino, na aprendizagem e gestão educacional, bem como,
que seus resultados possibilitem a tomada de
decisões, para redirecionar trajetórias e planejar ações e políticas
educacionais; a segunda, é a de possibilitar aos docentes conhecer o que cada aluno sabe,
visto que esse conhecimento é fundamental para traçar estratégias de
aprendizagem e intervenções pedagógicas adequadas que atendam às suas
necessidades de aprendizagem, para ajudá-lo a aprender a aprender; e, a terceira,
é a de garantir – com esse processo – o direito à educação a todos os
estudantes, caráter inclusivista da avaliação.
Por
outro lado, vemos que as práticas cotidianas escolares têm concentrado sua preocupação
maior em conquistar uma “boa posição na classificação”. Você foi aprovado? Que
nota você tirou? Saiu o resultado? Que dia será a prova? Que matéria vai cair
na prova? São perguntas que chegam a constranger alguns estudantes nesse
processo, do ponto de vista psicopedagógico e filosófico. Daí decorre que, se o
objetivo principal é atingir a nota e ser classificado, logo, vale tudo: copiar,
preparar colas, dentre outras estratégias clássicas que tomam tempo dos
estudantes, para tentar alcançar a nota e ser classificado, enquanto deveriam estar
preocupados em buscar estratégias para compreender de forma crítica e criativa
o quê, por quê e para quê aprender esse ou aquele objeto de aprendizagem
(científico ou tecnológico). A compreensão os levaria ao entendimento de como
se constrói o conhecimento para reconstruí-lo e construir seus próprios
registros epistêmicos. Avaliar é fazer com que isso ocorra, é compreender como
os estudantes estão compreendendo e construindo conhecimento, para auxiliá-los
a superar os obstáculos e a potencializar e mobilizar seus recursos cognitivos,
emocionais e lúdicos.
Finalmente,
vemos que vários pesquisadores (CASTILHO ARREDONDO e DIAGO,
2009; FERNANDES, 2009a, 2009b, 2010; PÉREZ JUSTE, 2006; SCRIVEN, 1967; STAKE,
2006; STUFFLEBEAM e SHINKFIELD, 2007; STUFFLEBEAM, MADAUS, e KELLAGHAN, 2000) que
se dedicam à avaliação acreditam que as organizações funcionariam de forma adequada se a avaliação estivesse mais presente nas várias
etapas de planejamento de suas ações. Assim, poderiam elas avaliar o seu funcionamento interno, a
sua produção, os seus objetivos, refletir e reconhecer problemas que poderiam ser reorganizados antes que se transformassem em dificuldades.
Percebe-se aqui que a avaliação possua uma dimensão eminentemente estratégica
antecipativa. É essa a crença pela qual a Secretária de Estado de Educação,
Esporte e Lazer tomou decisão para a proposição da ADEPE-MT e sua expansão em
política pública educacional, ciente de que utilizar os resultados da avaliação
servirá para tomar decisões estratégicas e garantir a todos os estudantes a
probabilidade maior de aprender, sem esquecer as responsabilidades sociais e
educacionais que cabem a cada um de nós no exercício de sua profissão ou papel
social como gestores educacionais, docentes, estudantes, pais, comunidade
escolar e representante democrático no Estado de Direito.
Referências
CASTILHO ARREDONDO, S.; DIAGO, J. C. Avaliação
educacional e promoção escolar. Tradução de Sandra Martha Dolinsky.
Curitiba: Ibpex; São Paulo: Unesp, 2009.
FERNANDES, D. Avaliação
em educação: uma discussão de algumas questões críticas e desafios a enfrentar
nos próximos anos. Revista
Ensaio: Avaliação e
Políticas Públicas em Educação, 2013.
p. 11-34.
______. Acerca da Articulação de
Perspectivas e da Construção Teórica em Avaliação Educacional. In.: ESTEBAN, M.
T. e AFONSO, A. J. (orgs). Olhares e interfaces: reflexões críticas
sobre a avaliação. São Paulo: Cortez, 2010.
______. Avaliação de programas e de
projetos pedagógicos. VIII Congresso Internacional de Educação. Recife,
PE: Sapiens – Centro de Formação e Pesquisa. 2009a, p. 36-40.
______. Avaliar para aprender:
fundamentos, práticas e políticas. São Paulo: UNESP, 2009b.
FLETCHER, R. Philip. A Teoria da
Resposta ao Item: medidas invariantes do desempenho escolar. In.: BROOKE, N.
ALVES, M. T. G. e OLIVEIRA. (orgs). A
Avaliação da Educação Básica: a experiência brasileira. Belo Horizonte, MG:
Fino Traço, 2015.
KRUG, Andréa. Ciclos de Formação: uma proposta transformadora. 2ª ed. Porto
Alegre: Mediação, 2002.
PÉREZ JUSTE, R. Evaluación de
programas educativos. España: La Muralla S.A., 2006.
SCRIVEN, M. The methodology of evaluation. In: STAKE, R. (Ed.) Curriculum
evaluation. American Educational Research Association Monograph Series on
Evaluation, nº 1. Chicago, IL: Rand MacNally. 1967.
STAKE, R. Evaluación comprensiva y
evaluación basada en estándares. Barcelona: Graó, 2006.
STUFFLEBEAM, D.; SHINKFIELD, A. Overview of the evaluation field. In: STUFFLEBEAM,
D.; SHINKFIELD, A. Evaluation theory, models e applications. United
States of America: Jossey-Bass, 2007.
STUFFLEBEAM,
D. L.; MADAUS, G. F.; KELLAGHAN, T. Evaluation models: viewpoints on
educational and human services evaluation. 2. ed. Boston: KLUWER ACADEMIC PUBLISHERS,
2000.
[1] Superintendente de
Formação dos Profissionais da Educação Básica da SEDUC-MT. Coordenador do
Núcleo de Avaliação, Investigação e Análise de Dados
Educacionais-NAIADE/SEDUC-MT. Assessor de Política de Pós-Graduação e Pesquisa
Educacional da SEDUC-MT. Filósofo. Doutor e Pós-Doutor em Educação pela USP e
UFMT. Professor Adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.
[2] Pesquisadora do Núcleo
de Avaliação, Investigação e Análise de Dados Educacionais-NAIADE/SEDUC-MT.
Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade de Lisboa. Professora da Rede
Pública Estadual de Mato Grosso e Assessora Técnica da SEDUC-MT.
FONTE: WebSite da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Publicado inicialmente em 30/03/2016. Disponível em <http://www.seduc.mt.gov.br/Paginas/Avalia%C3%A7%C3%A3o-e-Garantia-do-Direito-%C3%A0-Educa%C3%A7%C3%A3oAprendizagem.aspx>. Esse texto atualizado em 10/06/2016, diferentemente do que está no Site acima.