Feira de ciências
Das carteiras escolares para a produção de conhecimento
18/02/2015
Adolescente
ou aborrecente? A piada até faz sentido, mas se engana quem pensa que a
juventude só traz ‘aborrecimentos’. Que tal entrar em uma sala de aula
na escola perto da sua casa e descobrir que ali, em uma das carteiras,
está um cientista? E cientista de verdade, que faz pesquisa, vai a
campo, inventa, descobre.
Ou
se você é um aluno, que tal você ser o cientista? Já pensou nisso?
Parece difícil? Mas nem é tanto. Uma prova disso foi a Feira de
Ciências na Escola. Nela, foram apresentadas dezenas de pesquisas vindas
do Estado inteiro. Alunos e professores se reuniram em Cuiabá, em
novembro de 2014, para mostrar suas descobertas e frutos do trabalho.
Uma
feira de ciências também se torna espaço para desenvolvimento de novas
ideias e possibilidades. Já imaginou alunos do ensino médio saindo do
interior de Mato Grosso para falarem sobre bioindicadores, degradação do
pasto, cromatografia, automação e robótica? Pois esses foram alguns dos
trabalhos apresentados.
O professor doutor Kilwangy kya Kapitango-a-Samba,
docente da Unemat e assessor da Seduc que coordenou o evento, afirma
que a Feira de Ciências mostra muito mais que trabalhos de escola. O
aluno precisa sentar com o professor, elaborar um projeto, estudar e
desenvolver uma pesquisa de caráter introdutório, o suficiente
para experimentar a produção de conhecimento, com certo rigor
metodológico e analítico.
Para Kapitango-a-Samba, feiras de ciência são espaços para produzir conhecimento.
Foto: Daniel Morita
Segundo
o professor Kapitango-a-Samba, ocorreram outras feiras de ciências, já
na década de 1990, em âmbito estadual. Nos anos mais recentes, outras
tentativas de juntar jovens pesquisadores de todo o Estado acabaram
trazendo alguns problemas. Algumas edições da Mostra Científica, por
exemplo, não ofereceram prêmios aos estudantes e professores, o que
causou desestímulo, pois a premiação é uma tradição deste tipo de
evento.
Apesar disso, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso [Seduc-MT] resolveu, em 2014, reformular a feira, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq].
Em 2014, doze trabalhos foram classificados para ganhar bolsa de
iniciação científica júnior e um notebook para cada professor
orientador. A bolsa é um auxílio financeiro para os alunos, que dura um
ano para que ele continue a pesquisar. Além disso, os dois primeiros
colocados ganharam vagas na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia,
que acontece em março, em São Paulo.
Para
2015, já está sendo organizada uma segunda edição da feira, dessa vez
com 20 bolsas para os projetos. Confira e se mantenha informado no blog
da FECEB-MT.
Vencedores
Mesmo
com o desânimo causado pela falta de prêmios nos anos anteriores, a
edição de 2014 recebeu muitas inscrições, e alguns números são
interessantes. Dos 61 trabalhos aprovados, 55 vieram do interior de MT. E
de todas as escolas que enviaram trabalhos, apenas uma não era da rede
pública. Além disso, o professor Kapitango-a-Samba ressalta a presença
de dois projetos de pesquisa dos alunos da educação especial.
Para
ele, a presença maciça de escolas do interior pode ser um reflexo da
vontade desses alunos. “No interior as oportunidades, muitas vezes, são
menores que nos centros urbanos. Daí que a vontade de fazer e abraçar
uma chance talvez seja maior nos alunos”.
Dois
projetos apresentados foram classificados em primeiro lugar e
encaminhados para a mostra nacional, que acontece no próximo mês, na
capital paulista. Um deles é da aluna Deborah Guedes, 16 anos, de Barra
do Bugres. A aluna da escola estadual Alfredo José da Silva conta que a
ideia surgiu com o desperdício de alimentos que acontecia no refeitório
da escola. Junto com a professora Laura Aparecida de Amorim, ela
elaborou um questionário que foi respondido por 104 alunos do ensino
médio.
Deborah
Guedes (direita), com sua professora Laura Amorim. De Barra do Bugres,
seu trabalho foi credenciado para a etapa nacional
(Foto: Fanpage da escola no Facebook)
Depois
de analisar os dados, elas concluíram que o desperdício também acontece
em casa. “A gente achava que acontecia como um descaso pelo público.
Mas vimos que isso, muitas vezes, vem de casa”. Com o apoio da bolsa que
ganhou na feira de ciências, ela pretende agora realizar oficinas e
cursos de práticas alimentares e aproveitamento dos alimentos.
Outro
trabalho finalista foi o de Willyan Araújo, da escola Alexandre Quirino
de Souza em Porto Alegre do Norte. Usando peças compradas ou
reaproveitadas, ele desenvolveu um robô para ser usado em operações
táticas da polícia e bombeiros. Willyan conta que aprendeu a lidar com a
mecânica, eletrônica e linguagens de programação sozinho, pesquisando.
Com o apoio das professoras Maria Rosalina e Lucia Eni, ele inscreveu o
trabalho na feira e ganhou o primeiro prêmio.
De Porto Alegre do Norte, Willyan Araújo exibe experimento que foi classificado à final nacional.
(Reprodução/Agência da Notícia)
A
professora Rosalina reforça a importância dos trabalhos científicos na
escola. “É importante para o aluno. Eu incentivo muito isso, e tem dado
resultados bons. Além desse, o município também já foi premiado em
feiras do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT)”. O desafio agora é
aperfeiçoar a pesquisa. Hoje, Willyan estuda no IFMT, o que deve ajudar
na continuidade do seu projeto.
Segundo
conta o professor Kapitango-a-Samba, as duas vagas para trabalhos na
feira nacional foram uma surpresa, e não estavam previstas no
regulamento, nem no orçamento. Por conta disso, a Seduc não pode
auxiliar financeiramente as viagens dos alunos para apresentação dos
trabalhos. Por enquanto, eles ainda estão buscando patrocinadores e
colaboradores para os custos de viagem e estadia. Willyan conta que já
recebeu apoio de algumas pessoas, mas ainda falta bastante. Para a etapa
nacional, ele está preparando um projeto para agricultura de precisão.
Atualmente, Willyan estuda no IFMT e busca recursos para viabilizar sua ida à etapa nacional.
(Foto: Daniel Morita)
Educar pela pesquisa
Para
o professor Kapitango-a-Samba, tanto na universidade quanto na educação
básica é muito importante o trabalho de campo e a iniciação à pesquisa.
“Em termos de produção de conhecimento, o ensino fechado no uso de
lousa e livro didático favorece apenas a reprodução do conhecimento.
Precisamos sair dessa mera reprodução para alcançarmos níveis mais
esclarecedores de como o conhecimento se produz. No mínimo, fazer aulas
experimentais e de reflexão crítica favorece mudanças e gera novas
visões no aluno”.
Ao
falar de moléculas ou forças, coisas que não vemos, fica mais fácil de
entender em um laboratório, onde tudo isso vai ser representado e visto
pelos alunos. “Nós saímos do abstrato e vamos para o prático. Porque o
mundo onde vivemos não é abstrato. Ele é concreto, é prático”.
E,
a função do experimento vai além disso. Os professores e alunos podem
descobrir, criar e se transformar em geradores de conhecimento. E isso
incentiva a criatividade dos jovens. “Fala-se muito em inovação, mas a
criatividade é ainda mais importante. O inovador não é sempre criativo,
mas o criativo é sempre inovador”, finaliza o
professor Kapitango-a-Samba.
Imagem de capa: Seduc-MT
Daniel Morita
Fonte: Revista Fapemat Ciência. Disponível em:<http://www.revistafapematciencia.org/itciencia/noticia.asp?id=672>. Acesso em 2 de mai. 2015.
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